sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Desenvolvimento da linguagem cinematográfica

Desenvolvimento da linguagem cinematográfica


Júlio Alessi - 2009




O cinema atual possui grande variedade de estilos e formas de contar histórias através da linguagem cinematográfica. Porem, seu desenvolvimento se deu graças aos pioneiros, que logo nas primeiras décadas, desenvolveram a narrativa clássica de forma criativa e experimental, não se prendendo aos limites tecnológicos do primeiro cinema. Através de câmeras rudimentares, equipamentos precários, ausência de profissionais qualificados e uma linguagem não desenvolvida, os primeiros cineastas tiveram grandes dificuldades para produzir seus filmes. Apesar disso, nos impressiona notar que até os anos vinte ocorreram várias produções que marcaram a história do cinema.


Em sua evolução, o cinema se transformou tecnologicamente para vencer a concorrência com outras mídias como o rádio e a televisão, isso para garantir sucesso comercial de suas produções. O problema é que muitas mudanças em padrões tecnológicos, custaram um retrocesso na linguagem, forçando seus produtores, em vários momentos, a repensar as técnicas e formas narrativas. A mudança do cinema mudo para o cinema sonoro gerou mudança tão radical, que “forçou” grandes mestres do cinema a abandonarem a sétima arte, por não se adaptarem ao novo padrão de produção. Um dos destaques de personalidade contra essa mudança foi Charles Chaplin, que acreditava que com o cinema falado, a linguagem cinematográfica perderia sua expressão universal, já que não se limitava a idiomas específicos, não necessitando traduções.


Atualmente grandes produções americanas são lançadas quase que diariamente nos cinemas, nos cinco continentes, atingindo altos índices de bilheteria, conseguindo alta rentabilidade, mantendo a indústria do cinema em funcionamento. Essas produções contam com um sistema organizado e profissionalizado de produção e principalmente de distribuição, com seus lançamentos previamente agendados, tomando grande parte dos cinemas nas principais cidades do mundo, praticamente não deixando espaço para pequenas produções e filmes independentes, que dependem de festivais ou de cinemas alternativos para serem exibidos.


As produções independentes, principalmente em países Europeus, Asiáticos e da América Latina, na maioria das vezes, tem como objetivo criar filmes sem apelo comercial, com maior liberdade criativa e com diferenciais em sua linguagem, finalizando produções que muitas vezes não são compreendidas pelo grande público, prejudicando ainda mais sua comercialização. Apesar disso, é importante destacar que as produções comerciais foram as responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico, formaram mão-de-obra especializada, possibilitando a consolidação do cinema no mundo, criando uma infra-estrutura de exibição, que possivelmente não se manteria sem contar com os recursos financeiros oriundos dessas produções.


O cinema, apesar do seu início na França no final do século XIX, logo nos primeiros dez anos de existência, se desenvolveu rapidamente nos Estados Unidos, conseguindo formar uma forte indústria cinematográfica, distribuindo seus filmes em várias partes do mundo. Com isso, os americanos descobriram o grande potencial do cinema comercialmente, conseguindo financiar um rápido desenvolvimento tecnológico, atraindo artistas de grande competência de vários países da Europa, consolidando desta forma, o cinema por lá.


Ao refletir sobre o cinema produzido hoje, é difícil imaginar como foi complicado para os pioneiros desenvolver uma nova linguagem intimamente ligada à tecnologia disponível, sendo que as técnicas criadas no início e até hoje, dependem das tecnologias disponíveis para executar suas produções. Quando se olha para o passado, é possível perceber que esses pioneiros, ao criar suas técnicas de filmar, rompiam os limites tecnológicos existentes de forma criativa, para conseguir os efeitos desejados. Em 1895 o cinema praticamente surgiu com som e com cores, como podemos observar na obra de Meliès, em que seus filmes eram colorizados à mão, e também nas produções de Thomas Edison, em suas primeiras produções para o cinetoscópio, onde se tinha um som sincronizado com a película.


Com a criação de uma câmera de cinema e de um projetor, foi possível captar imagens e movimentos, podendo-se depois, projetá-los em uma tela, através de um processo relativamente simples, possibilitando as primeiras produções cinematográficas. Com as obras realizadas pelos irmãos Lumiére, através de seus operadores, o público, marcando a história, deu início ao contato com os primeiros filmes produzidos no planeta. Em sua temática, esses filmes mostraram cenas do cotidiano do século XIX, exemplos que encontramos nas películas: Saída da fábrica, O café da manhã do bebê (Le Déjeuner de Bébé, 1895) e A chegada do trem da estação (L’Arrivèe d’un Train en Gare de la Ciotat ,1896). São registros documentais de cenas comuns, que a partir daquele momento eram projetados nos cafés, feiras, parques de diversão e Vaudevilles.


Os primeiros espectadores tinham contato com esses filmes por simples curiosidade, queriam ver a nova invenção com imagens em movimento, não se importando muito com o conteúdo. Cenas simples do cotidiano satisfaziam essa curiosidade. A próxima etapa dos operadores Lumière foi a de mostrar imagens de várias partes do mundo, contendo cenas exóticas como: cenas de elefantes, grandes corredeiras, África selvagem, metrópoles. Porem, em pouco tempo, o público começou a cansar dessas imagens quase repetitivas, surgindo à necessidade da criação de outras formas de produções.


Com isso, em 1896, George Meliès começa a contar histórias através do cinema, descobrindo assim uma nova forma de utilizar a recente invenção proposta pelos irmãos Lumière. Mas como não havia uma linguagem desenvolvida, a forma narrativa seguiu referências de artes já estabelecidas como o teatro e a ópera. A câmera era posicionada como se fosse um espectador de teatro da primeira fila, e a cena se desenvolvia em um palco, onde os elementos cênicos entravam e saiam do quadro. Nesse momento, Meliès e seus contemporâneos, começavam a experimentar várias formas narrativas e também temáticas, em uma época que a tecnologia era extremamente limitada.


Apesar dessas limitações, os primeiros filmes foram produzidos com efeitos especiais de ótima qualidade técnica, executados de forma criativa e inovadora, sendo desenvolvidos principalmente por Meliès e Segundo de Chomón. Os efeitos produzidos eram muito refinados, com desaparecimentos, múltiplas imagens, metamorfoses, explosões, fusões, entre outras técnicas que encantavam o público. As histórias de fantasia e mundos desconhecidos eram as principais temáticas. Além das trucagens, algumas produções recebiam a colorização, feita de forma manual, frame a frame, melhorando ainda mais a qualidade das produções.


Meliès produziu mais de quinhentos filmes, em sua maioria, de histórias fabulares, com muitos efeitos especiais, levando os primeiros espectadores a se interessar pelo cinema. Com isso, várias produtoras foram criadas na Europa e em várias partes do mundo, como Gaumont e Pathé, ambas na França. A nova invenção possibilitava uma experiência diferenciada de outras artes, por conseguir recriar mundos da fantasia, que não eram possíveis de serem representados pelo teatro, pela literatura ou até mesmo pela ópera.


Os filmes, em suas projeções, eram acompanhados por músicos, ou até mesmo, em grandes produções, por uma orquestra. Contavam ainda com a ajuda de um narrador, que ajudava o público a entender as histórias. Os novos espectadores não estavam acostumados com esse tipo de narrativa, tinham muita dificuldade em entendê-la, demonstrando a necessidade da evolução da linguagem fílmica.


No início do século XX vários países começaram a produzir filmes, possibilitando um rápido desenvolvimento da linguagem cinematográfica, sendo as produções antecessoras, influência para os novos produtores, contribuindo para o crescimento rápido do cinema. Os principais destaques que contribuíram para o desenvolvimento da narrativa fílmica foram os ingleses George Smith, James Bamforth, James Williamson e R.W. Paul, que conseguiram dar um passo além, em busca da criação de uma escrita cinematográfica com movimentos de câmera diferenciados, acompanhando melhor a ação, a criação de novo processo de montagem, decupando a ação em planos separados. Dessa forma, criaram técnicas narrativas particulares do cinema.


Nos EUA, um pioneiro que também conseguiu dar um passo importante ao desenvolvimento da linguagem foi Edwin Porter, com o filme O grande roubo do trem (The great train robbery, 1903), demonstrando o grande potencial dessa nova linguagem que estava em formação, criando narrativas paralelas, utilizando técnicas de montagens inovadoras, criando suspense nos atos dramáticos, levando dessa forma, o público a se envolver melhor com a história. Naquele momento, as produções estavam aumentando a duração dos filmes e chamando assim a atenção de novos públicos para o cinema.


No início do século XX surge no cenário cinematográfico um personagem que, baseado nos conhecimentos adquiridos pelos pioneiros na Europa e nos EUA, elevou o cinema a um novo patamar: David Wark Griffith, que iniciou sua carreira como ator e logo começou a dirigir filmes. Seu nome e suas contribuições são a base para o cinema que conhecemos hoje. Logo em seus curtas Griffith desenvolveu montagens paralelas, criando um suspense nas cenas de ação, close-ups que aproximaram o público da ação, verdadeiros travellins realizados em automóveis. A câmera ganhara vida, se transformando no olhar do espectador, de forma não vista até aquele momento, desprendendo-se das outras formas de narrativas artísticas como o teatro. Por essas inovações Griffith é considerado por alguns autores como o pai da linguagem cinematográfica.


Griffith, no ano de 1915, lançou seu primeiro longa metragem: Nascimento de uma nação, considerado, até hoje, um marco na história do cinema. Esse filme levou multidões às salas de projeção, despertando na burguesia, o interesse por essa nova arte que estava se formando. O filme trouxe várias inovações, com vários planos ousados de câmera, com destaque para as cenas de batalha, que aumentavam a emoção do público, que quase “entrava” no campo de guerra.


Devido à grande polêmica gerada por “Nascimento de uma nação”, devido ao seu conteúdo racista, mostrando os membros da Klu klux klan como heróis e os negros como os inimigos da América, o movimento racista ganhou nova vida. Com isso, Griffith resolveu produzir um dos maiores épicos do cinema, ainda maior que o Cabíria rodado na Itália: Intolerância (1916). Esse filme era tão grandioso, que precisou de várias equipes, coordenadas por outros diretores, que se transformaram em grandes diretores de Hollywood. Mesmo com tanta grandiosidade, Griffith orientava todo o processo, com milhares de figurantes. Sua técnica chegou ao seu apogeu, com planos complexos em gruas, em travellins e em trucagens de câmera, desenvolvidos para esse filme. É impressionante pensar em um cinema tão aprimorado, em apenas poucos anos de existência.


Em sua linguagem, como nos outros movimentos artísticos, o cinema teve um desenvolvimento gradual e contínuo, dificultado pelas limitações técnicas e imposições do mercado, que muitas vezes ditaram o estilo e a temática de suas produções. Seus pioneiros, apesar de todas as dificuldades impostas, conseguiram aliar técnica e criatividade para melhorar a narrativa, deixando grandes produções para contemplarmos mais de cem anos depois.


Os cineastas da atualidade devem refletir sobre o trabalho desses artistas para não se limitarem a tecnologia disponível, que em muitos casos, é o grande objetivo da produção, deixando a história e a narrativa para segundo plano. Será que ainda hoje podemos citar algum cineasta que consegue ir além da tecnologia disponível, com grande contribuição para a linguagem? É difícil definir. É claro que temos inúmeros exemplos de grandes mestres: Eisenstein, Hitchcock, Chaplin, Rossellini, Fellini, Glauber, Godard, Truffaut, Resnain, Bergman, Scorsese, entre muitos outros. Conhecer os trabalhos destes ícones é beber na fonte de inspiração, em busca da continuidade da evolução cinematográfica proposta pelos primeiros homens e mulheres que ajudaram a criar a sétima arte.


Bibliografia.


SABATIN, Celso – Vocês não ouviram nada: a barulhenta história do cinema mudo. São Paulo: Lemos Editorial, 2000.


MACHADO, Arlindo – Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.

Um comentário:

  1. Júlio, estou aguardando o convite para postar o meu diretor. Grata Bárbara

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