segunda-feira, 12 de abril de 2010

Dogville - Lars von Trier




O filme começa com uma tomada de cima para baixo, onde pode-se ver o desenho da cidade (com as marcações dos espaços das casas desenhados no chão). Essas tomadas perpendiculares repetir-se-ão em diversas cenas, sendo marcos importantes da narrativa. O narrador vai então apresentando os personagens um por um ("todos têm pequenos defeitos facilmente perdoáveis") e contando suas histórias.
O personagem principal é Thomas Edison Jr., um escritor que para protelar o dia em que terá que começar a escrever seu livro se ocupa em pregar sermões a toda a comunidade sobre rearmamento moral. Ele está procurando um exemplo para servir de ilustração às suas teorias e assim comprovar que os moradores não são capazes de aceitar novas situações, quando é interrompido por barulhos de tiros a distância.
Grace, uma bela jovem com um vestido que denota sua origem de família rica. Ela diz a Tom que está fugindo de um gângster e Tom, percebendo nela o exemplo perfeito para sua palestra, lhe dá cobertura.
Os moradores de Dogville a princípio recusam-se a aceitá-la, e Tom propõe que dêem a Grace um prazo de duas semanas, para então decidirem sua sorte. Grace, em compensação, deve ajudá-los em tarefas cotidianas. Apesar de não admitirem, eles jamais dão coisa alguma, não há generosidade ou aceitação: há um sistema de trocas e é esse sistema de compensações (o quid pro quó) que, aliado à personalidade de perdoar de Grace (seu altruísmo), anuncia a tragédia.
Os moradores relutam até mesmo em aceitar a ajuda de Grace, mas acabam aceitando e Grace rapidamente começa a passar seus dias ocupada em fazer pequenas coisas que "não são necessárias", mas que os moradores "generosamente permitem" que ela faça. E assim passam-se as semanas, os moradores aceitam que Grace fique na vila, como mais um favor que ela ficará devendo a eles.
Tom confessa a Grace que gosta dela e é correspondido, mas ele não assume publicamente seu amor perante Dogville, mantendo o romance deles secreto e mantendo Grace na condição de estrangeira.
A aparente tranqüilidade da situação começa a mudar no dia da Independência, quando a cidadezinha recebe a visita da polícia, que afixa um cartaz onde Grace é apontada como procurada.
Os moradores de Dogville consideram ainda maior a dívida de Grace com eles, fazendo cada vez mais exigências, que diante da permissividade e comportamento passivo de Grace, rapidamente transformam-se em abusos. Uma cena forte do filme é quando Chuck a estupra, como "pagamento" para que ele não a denunciasse às autoridades. Aqui a função do cenário vazio é clara: a ausência de paredes dá a nítida percepção de que todos sabem o que se passa, mas fingem não ver.
A comunicação também não parece ser possível para os moradores de Dogville. O que eles falam passa longe de significar o que realmente querem dizer. Quando questionados são evasivos, mudam de assunto ou simplesmente respondem outra coisa. Chuck fala de colheita de maçãs quando está querendo abusar sexualmente de Grace, e Ma Ginger reprime-a quando ela passa entre os arbustos, com argumentos que simplesmente não correspondem àquilo que ela diz.
Desse ponto em diante a constante dívida de Grace com a comunidade só cresce e ela torna-se uma escrava não só de trabalho físico como sexual. Em pouco tempo a tratam como uma vaca, que puxa um arado, onde os caipiras se aliviam. Somente Tom, sem capacidade de tomar qualquer atitude, não a viola. E é após ela o rejeitar, que ele decide dar um basta nessa pequena metáfora ilustrativa que ela representa, chamando o gângster que a procurava.
Nesse momento revela-se que Grace não está sendo ameaçada por eles, mas é a filha do chefe maior. Não há surpresa no final: desde que Grace entra no carro o diretor vai preparando a platéia com a ideia de que haverá um massacre. E sem dúvida, não fosse este final apoteótico, o filme terminaria morno, indigesto, como se todos estivessem com algo na garganta. O final catártico faz com que Dogville apresente uma estrutura narrativa herdeira das tragédias gregas, onde a platéia era levada a uma situação de tensão insuportável e liberava a adrenalina contida no final trágico.

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